A implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no setor público brasileiro apresenta desafios únicos que transcendem as complexidades já significativas de sua aplicação no setor privado. Diferentemente das empresas privadas, que processam dados pessoais principalmente para fins comerciais bem definidos, a administração pública lida com uma variedade quase infinita de finalidades legítimas, desde prestação de serviços públicos essenciais até exercício do poder de polícia e implementação de políticas públicas. Esta diversidade de propósitos, combinada com a obrigatoriedade de muitos tratamentos de dados no setor público, cria um ambiente regulatório complexo onde princípios tradicionais da proteção de dados, como consentimento e finalidade específica, requerem adaptação significativa.
A necessidade de conciliar proteção de dados com princípios constitucionais da administração pública, especialmente transparência e publicidade, gera tensões interpretativas importantes. Enquanto a LGPD estabelece limitações rigorosas ao tratamento de dados pessoais, a Constituição Federal e a Lei de Acesso à Informação garantem amplo direito de acesso a informações públicas. Esta aparente contradição exige dos órgãos públicos um exercício constante de balanceamento, considerando critérios como relevância pública, sensibilidade dos dados envolvidos e impacto sobre os direitos dos titulares. Casos envolvendo transparência de remunerações de servidores públicos, divulgação de beneficiários de programas sociais e acesso a dados de saúde pública exemplificam a complexidade deste balanceamento na prática administrativa cotidiana.
A transformação digital da administração pública, acelerada pela pandemia de COVID-19, intensificou exponencialmente os desafios de compliance com a LGPD no setor público. Iniciativas de governo digital, interoperabilidade entre sistemas e inteligência artificial aplicada a serviços públicos expandiram dramaticamente o volume e a complexidade do tratamento de dados pessoais pelo Estado. Essa transformação exige não apenas adaptações técnicas e organizacionais, mas também uma mudança cultural profunda na administração pública, que deve internalizar a proteção de dados como princípio orientador de suas atividades. O desenvolvimento de políticas de governança de dados, a capacitação de servidores públicos e a implementação de mecanismos eficazes de supervisão e controle tornam-se essenciais para garantir que a modernização do Estado não comprometa os direitos fundamentais dos cidadãos.
